Dia Nacional da Visibilidade Trans: não podemos mais fechar os olhos para essa causa
Por Fátima El Kadri
De 2008 a 2019, em média, 118 pessoas trans foram mortas por ano no Brasil. Em 2020, esse número saltou para mais de 150. Até quando a omissão, a impunidade e o retrocesso continuarão fazendo vítimas fatais?
29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Essa data é celebrada desde 2004, quando um grupo de mulheres e homens trans e travestis foram à Brasília lançar a campanha “Travesti e Respeito”, reivindicando políticas afirmativas e igualdade de direitos, tornando-se um marco do movimento LGBTQI+.
Além de visibilidade, as pessoas travestis e trans querem mais: igualdade, respeito, identidade, trabalho e, principalmente, o direito de andar pelas ruas sem medo de serem espancadas e assassinadas por existirem e serem quem são. Esses são direitos fundamentais e necessários a qualquer cidadão, mas que, infelizmente, são negados aos transexuais e travestis de forma sistemática e consensual à medida em que as demais pessoas se calam e consideram natural .
A começar pelo fato de que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo inteiro. Dados mais recentes da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) afirmam que, somente nos primeiros 10 meses de 2020, foram mortas 151 pessoas trans, 22% a mais do que durante todo o ano de 2019, quando foram registrados 124 assassinatos.
Nosso país permanece na liderança do ranking mundial sobre a violência contra a população trans, produzido pela Transgender Europe. Os dados apontam que, de 2008 a 2019, a média de mortes foi de 118,2. Com isso, o número de assassinatos de transgêneros no Brasil já é três vezes maior do que no México, o segundo colocado no ranking.
“Além do descaso com a crise provocada pela pandemia da Covid-19, que agravou ainda mais as desigualdades já existentes, a vida das pessoas trans, principalmente as travestis e mulheres transexuais negras e trabalhadoras sexuais que seguem exercendo seu trabalho nas ruas, tem sido diretamente afetadas. Pois esse grupo representa a maioria dos casos de assassinatos e estão diretamente expostas a diversas formas de violências, negação de acesso a direitos e consequentemente da precarização de suas vidas”, relata o boletim divulgado pela Antra em 30 de outubro de 2020
A pergunta que não quer calar: qual a razão de tanta violência e descaso?
Vítimas da intolerância — e por que não dizer — da ignorância da sociedade, as pessoas que possuem uma identidade sexual diferente da determinada pelos seus órgãos genitais ou que simplesmente gostam de se vestir de forma diferente do “padrão” aceito pela denominação de homem X mulher, invariavelmente são motivo de chacota, ofensas e da resistência abrupta de um povo que ainda é homofóbico, transfóbico e machista.
Só que, como vimos, essa intolerância não se resume apenas a piadinhas de mau gosto ou xingamentos, o que já seria suficiente para gerar danos irreparáveis às vítimas. Em muitos casos, ela acaba em agressões físicas e morte.
Travestis e transexuais têm menor expectativa de vida
Segundo a União Nacional dos LGBTQI+, os indivíduos que se declaram transexuais ou travestis possuem uma expectativa de vida de apenas 35 anos, enquanto o restante da população tem uma expectativa de 75 anos, de acordo com o IBGE.
Leis para transgêneros: invisibilidade, impunidade e preconceito levam à vulnerabilidade social
O direito ao uso do nome social ( e não o de batismo) e a visibilidade obtida por meio da Parada Gay são algumas conquistas do público LGBTQI+ nos últimos anos. Contudo, no geral, as políticas públicas pouco eficazes e a impunidade dos crimes cometidos contra os trangêneros são grandes problemas.
Viver na rua, sem acesso à educação, emprego e, geralmente, rejeitadas pela família. Essa é a situação mais comum das pessoas trans no Brasil. Mas o que se pode esperar de um governo que sequer reconhece os transexuais e travestis como cidadãos? Sobre isso, o Dossiê dos Assassinatos e da Violência contra pessoas trans em 2019 da Antra, informa que:
“No Censo/2020, previsto para acontecer no ano corrente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não há nenhuma orientação existente em relação à população LGBTI, mesmo diante de uma ação ajuizada pela Defensoria Pública da União, a partir de pedido protocolar da própria ANTRA”.
Portanto, não há dados oficiais para quantificar essa população, tampouco suas condições de vida. As informações e dados existentes são produzidos pelas entidades de apoio à causa, como a Antra e a ABGLT.
Quando se trata dos assassinatos mencionados no início, a impunidade é quase uma regra. O dossiê da Antra constatou que, dos 124 casos de assassinatos registrados em 2019, apenas 11 tiveram os suspeitos identificados (8%), 7% estão presos e cerca de 96% são arquivados sem solução.
Somado a isso, ainda há o problema da subnotificação ou o reporte de maneira errada, quando o caso é notificado como homem vestido de mulher ou mulher vestida de homem, o que dá a falsa impressão de diminuição dos casos.
Sem oportunidades no mercado de trabalho devido ao preconceito, o desrespeito e a invisibiildade só aumentam, levando grande parte desse grupo para o caminho da prostituição e das drogas.
Retrocesso atinge comunidade trans no sistema prisional
Em outubro de 2020, o Conselho Nacional de Justiça aprovou as normas e procedimentos em relação às pessoas trans ou travestis presidiárias. O texto inicial da resolução nº348/2020 assegurava o direito de escolha da unidade prisional ou entre as alas feminina ou masculina para o cumprimento da pena.
Porém, no início deste mês, o CNJ fez uma alteração no texto, excluindo as pessoas que se identificam como travestis da possibilidade de escolher em qual ala deseja cumprir pena. Em 2019, o ministro do STF, Luiz Roberto Barroso, determinou que as pessoas transexuais deveriam ser transferidas para presídios femininos, conforme proposta da ABLGT, sem incluir os travestis, por considerar que estes apresentam uma identidade de gênero “mais fluida”.
Enquanto a população LGBTQI sofre com a violência escancarada, os representantes da justiça e do governo falham na elaboração de leis e políticas voltadas para a sua inclusão e segurança, impregnados por uma visão distorcida e preconceituosa sobre a questão da identidade de gênero.
Sem uma legislação para fortalecê-las e ampará-las, essas pessoas continuarão vivendo com medo e sem oportunidades, contando apenas com o apoio de entidades assistenciais para ter alguma segurança e dignidade.
Trânsgêneros conquistam seu espaço na política
A vitória de 30 pessoas transgênero nas eleições de 2020 é um feito histórico que precisa ser enfatizado nesta data tão importante. Esses representantes tiveram a coragem para enfrentar o forte preconceito e até ameaças por parte de políticos e da população mais conservadora, que dominam o cenário político atual. Ou seja, é mais uma luta vencida!
A esperança é de que, a partir deste ano, tenhamos políticas mais efetivas em prol da população transgênero em todo o país. Veja a lista de pessoas eleitas clicando aqui.
Que este 29 de janeiro seja para lembrar que todas as pessoas merecem viver em paz, independentemente da sua identidade de gênero. Não podemos permitir que o preconceito tire mais nenhuma vida.
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