Por que a diversidade faz diferença?
Notícia veiculada em 17/11/2021
Das três letras do conceito ESG (do inglês Environmental, Social and Governance), a “S”, que avalia os parâmetros de relações com empregados, fornecedores, clientes e atividades com a sociedade, ainda é a menos evidente na agenda das empresas. Entretanto, é um cenário que tende a mudar, para melhor, nos próximos anos.
No Brasil, as práticas de inclusão social e equidade nos ambientes corporativos, muitas vezes, se restringem às obrigações legais, trabalhistas e ações sociais pontuais e datadas, como no fim do ano. De acordo com os especialistas, a melhora esperada deste cenário se dará principalmente a partir do momento que as empresas reconhecerem, nas ações sociais, valores e oportunidades para o crescimento das próprias corporações.
O estímulo às políticas de inclusão e diversidade internas e externas das empresas, assim como o impacto positivo na comunidade em que atua, é uma das premissas da área social na agenda ESG. Mais do que ajudar de maneira pontual e com viés assistencialista, as iniciativas devem ter como objetivo transformar, para melhor, a vida e o cotidiano do público atendido pelas ações promovidas.
“Os aspectos sociais são cada vez mais importantes, uma vez que é impossível assumir um posicionamento de relevância no mercado sem criar impacto positivo sobre as regiões onde atua, gerando melhores empregos e desenvolvendo empatia com as causas importantes para os consumidores”, explica Leonardo Dutra, consultor da EY Brasil.
Pesquisa feita no ano passado pela EY revela que 91% dos investidores ouvidos em diversos países do mundo levam em consideração o desempenho não financeiro das companhias na tomada de decisões sobre investimentos. Isto é, não é apenas o lucro, mas também os aspectos e programas ESG desenvolvidos pelas companhias que pesam na hora de investidores financeiros decidirem onde alocar os recursos.
“É necessária uma guinada de visão para que as empresas reconheçam o grande valor agregado de promover a equidade e que se trata de um caminho que pode ser encarado como ameaça ou oportunidade. Ameaça no sentido dos riscos de perdas de reputação, aumento de custos e desperdício de dinheiro”, afirma a fundadora e presidente do Instituto Modo Parités, Ivone Santana. “Contudo, quando a equidade e a inclusão social são encaradas como oportunidade, a promoção dos direitos humanos e da representatividade de diversidade passa a ser vista como valor agregado, o que traz inovação de processos, criação, produção e operações, além de retorno em comprometimento e clima organizacional”, completa Ivone, cuja instituição que dirige tem o objetivo de promover a inclusão e a sustentabilidade, preparando ambientes e gestores em empresas e instituições. A carteira de clientes atendidos pelo Modo Parités inclui empresas como Magazine Luiza, Vivo, Starbucks e IBM.
Para Kadu Monguilhott, CEO da Neoway, empresa de Big Data Analytics e Inteligência Artificial (IA) para negócios, apesar de o certame de a defesa ambiental ainda ser o tema mais comum nas discussões internas sobre práticas ESG, as pautas sociais e de governança ganham cada vez mais relevância nas discussões internas das corporações. As empresas, segundo ele, estão percebendo que contar com equipes mais diversas e construir relações empregatícias melhores refletem no engajamento dos colaboradores e nos resultados dos negócios. “Uma pesquisa feita pela McKinsey, por exemplo, descobriu que empresas com equipes mais plurais alcançaram resultados até 21% maiores quando comparadas com outras que não priorizam o tema”, diz o CEO da Neoway.
“As questões ambientais e de governança são cruciais para as organizações, e é plausível a busca por soluções ambientais pelas nações mais desenvolvidas, como as da Europa e da América do Norte. Todavia, acredito que, em países em desenvolvimento, como o Brasil, os debates sociais são uma prioridade”, afirma o CEO da MRV construtora e incorporadora, Eduardo Fischer. “Em uma nação tão desigual como a nossa, a inclusão social deveria ser tratada como prioridade nacional, e nós, grandes empresas privadas, temos um papel fundamental na transformação social do País”, completa Fischer. A principal ação social do grupo é o Instituto MRV, que recebe anualmente 1% do lucro líquido da MRV – equivalente a R$ 6,5 milhões, no ano passado – para investimentos em projetos de educação. “Com o instituto, levamos o propósito de construir sonhos que transformam o mundo para muito além dos muros de nossos condomínios”, diz Fischer.
“Quando a equidade e a inclusão social são encaradas como oportunidade, a promoção dos direitos humanos e da representatividade de diversidade passa a ser vista como valor agregado, o que traz inovação de processos.”
Ivone Santana, fundadora e presidente do Instituto Modo Parités
Em um processo de reação em cadeia e construção de um círculo virtuoso, especialistas e empresas concordam que a agenda ESG pode ser benéfica ao próprio mercado, cujo fortalecimento está diretamente ligado ao desenvolvimento da sociedade como um todo. Portanto, quando a sociedade prospera, as empresas também prosperam e vice-versa. Neste sentido, apoiar os bem-estares social, ambiental e de governança ajuda a fortalecer e solidificar todo o ecossistema.
“Qualquer empresa só é próspera quando o seu entorno é próspero. Ações de responsabilidade social contribuem para o desenvolvimento das empresas e das comunidades inseridas. Esse deve ser o foco dos projetos de responsabilidade social, sempre trabalhando em parceria com as comunidades locais, que conhecem a realidade de cada região”, diz Fernando Meller, diretor-executivo de Gente da Seara e gestor do JBS Fazer o Bem Faz Bem – Alimentando o Mundo com Solidariedade. Dentre as ações do programa, está a doação de R$ 400 milhões para iniciativas contra a pandemia de covid-19, em mais de 300 municípios. Os recursos, segundo a gigante do setor de alimentos, estão sendo aplicados em três frentes: saúde, combate à fome e ciência, que incluiu a doação de R$ 5 milhões para o Instituto Butantan utilizar em projetos de produção de vacinas contra a covid-19, em São Paulo.
O coronavírus acelerou as ações sociais em outras empresas, dentro da agenda ESG. De abril a julho de 2020, o Grupo Carrefour doou R$ 21 milhões para pessoas impactadas pela pandemia no País, por meio da campanha Movimento Solidário. Cerca de 2,5 milhões de pessoas foram beneficiadas em todo o território nacional, segundo a rede varejista, que também desenvolveu programas de doações de produtos de higiene para comunidades indígenas e insumos hospitalares, bem como para a produção de oxigênio hospitalar para o Estado do Amazonas nos momentos mais críticos da pandemia.
No caso do Carrefour, a agenda de diversidade, inclusão e equidade ganhou peso ainda maior após aquele que é classificado, pelos próprios dirigentes da rede multinacional de supermercados, como “o pior dia do Grupo Carrefour no Brasil”: a morte de João Alberto, um cidadão negro espancado e morto por seguranças do supermercado em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre (RS), em novembro de 2020. “Com o episódio, entendemos que precisávamos ir além de ser uma empresa antirracista, para que casos como este não voltem a acontecer”, diz o gerente de Diversidade e Inclusão do Grupo Carrefour Brasil, Kaleb Machado.
Segundo Machado, foi adotada a Política de Tolerância Zero ao Racismo e à Discriminação, principal recomendação do Comitê Externo de Livre Expressão sobre Diversidade e Inclusão, criado pelo Carrefour após o caso e composto por especialistas, líderes de movimentos negros e personalidades com voz ativa nas questões raciais. Hoje, o grupo trabalha, interna e externamente, mais de 70 iniciativas de combate ao racismo – dentre elas, incentivos a programas de contratação, projetos de educação e aceleração na empregabilidade e no empreendedorismo desenvolvidos por ONGs e coletivos com projetos para pessoas negras. “Além disso, temos avançado internamente nas metas de contratação de colaboradores negros e negras ocupando cargos de liderança”, diz Machado.
“Qualquer empresa só é próspera quando o seu entorno é próspero. Ações de responsabilidade social contribuem para o desenvolvimento das empresas e das comunidades inseridas. Esse deve ser o foco dos projetos de responsabilidade social.”
Fernando Meller, diretor-executivo de Gente da Seara
ENGAJAMENTO
De acordo com os especialistas, o sucesso das iniciativas depende do engajamento e do envolvimento da empresa como um todo. A adoção efetiva de uma agenda ESG não pode ser tema apenas de uma área, mas da atividade empresarial como um todo. “É esta coerência na transversalidade do tema que faz com que a adoção de ESG esteja diretamente atrelada à sobrevivência do negócio a médio e longo prazos. As empresas com elevado desempenho em ESG são mais resilientes em tempos de crise e mais atentas aos anseios dos stakeholders, com alto impacto positivo nos seus respectivos ramos de atuação”, diz Clara Serva, head de Direito Humano e Empresas e coordenadora pro bono do escritório de advocacia Tozzini Freire.
A advogada destaca que um dos problemas enfrentados pelas empresas é a cadeia de fornecimento. “O trabalho infantil ou análogo à escravidão raramente aparece dentro da própria empresa de grande ou médio porte, mas em algum (ou alguns) de seus fornecedores”, explica Clara.
As empresas também estão atentas em ampliar a diversidade interna. No fim de 2019, o Magazine Luiza fez uma pesquisa na qual ficou constatado que 53% do quadro de colaboradores diretos da rede de varejo são compostos por pessoas negras. Entretanto, apenas 16% delas ocupavam cargos de liderança. “Para o Magalu, uma empresa que prega o valor estratégico da diversidade para o negócio, seria inconcebível ignorar o problema. E, para nós, estava claro que havia um”, lembra a gerente de Reputação e Sustentabilidade da empresa, Ana Luiza Herzog. Para contornar a situação, foi criado um programa de trainee específico para que os negros pudessem chegar a esses cargos de liderança. Apenas na primeira edição, foram 22 mil inscritos e 19 trainees selecionados pelo programa – o dobro dos anos anteriores.
A atenção especial às mulheres também é meta do Magazine Luiza. O Luiza Code – curso gratuito de formação na área de software – reserva metade das vagas destinadas às colaboradoras, parte delas especificamente para mulheres negras. O objetivo, segundo os dirigentes, é equilibrar este ecossistema sob a ótica de gênero, oferecendo um ambiente seguro para que mulheres possam trabalhar e se desenvolver, em uma área que ainda é predominantemente masculina.
Segundo Ana Luiza, a pauta ESG faz parte do propósito de uma das maiores companhias de varejo do País. “O nosso lastro social e de governança sempre foi mais forte que o ambiental, mas temos nos movimentado com celeridade para avançar também nesse território. Estamos definindo metas ambiciosas de longo prazo relacionadas a diversidade, inclusão digital, redução de emissão de gases de efeito estufa e gestão de resíduos, entre outros temas”, explica a gerente do Magalu. “A equidade das três ações – o E, o S e o G – é a meta de toda empresa que deseje se manter no mercado, cada vez mais exigente em relação a todos os tópicos”, completa Ana Luiza.
A diretora-presidente da Brasilprev Seguros e Previdência, Ângela Assis, segue na mesma linha da gerente do Magazine Luiza. “As empresas que não investem e não se adaptam a ações que beneficiem o meio ambiente, governança e projetos de caráter social, certamente perderão valor e algo ainda mais importante: a confiança do cliente”. Há dez anos, a líder nacional no segmento de previdência privada oferece o Projeto de Vida na Ponta do Lápis (PVPL), cujo objetivo é ensinar sobre educação financeira a jovens e adultos. Em uma década, já foram ministradas cerca de 2 mil palestras gratuitas, beneficiando em torno de 20 mil alunos.
“Acreditamos que o jovem favorecido por nossas atividades possa ser um agente multiplicador, levando este conteúdo e o conhecimento para dentro de sua casa”, diz Ângela Assis, para quem a agenda ESG não é algo passageiro – e muito menos “da moda” no País. “É um movimento que cresce a cada dia e que precisa ser cada vez mais adotado pelas empresas.
Além do crescimento na adesão empresarial nos próximos anos, a tendência é que as empresas procurem atuar nas três linhas da agenda ESG. “A atuação direta e equitativa nas três frentes potencializa a mudança para um ambiente global e sustentável, diferentemente de quando a empresa investe em ações apenas em uma área”, afirma Maurício Figueiredo, idealizador e diretor-geral do projeto Almaroma, em São Paulo. O instituto nasceu em 2018 com o objetivo de fomentar a inclusão social de pessoas com dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, como pessoas com deficiência e idosos.
Além de ser um caminho sem volta, nos próximos anos, a agenda ESG pode ser importante para a própria sobrevivência das empresas, apontam especialistas e empresários. “As iniciativas vão além da construção da boa imagem organizacional. Trata-se de esforços para tornar as operações economicamente mais viáveis e éticas, ecologicamente corretas e que contribuam, de alguma maneira, para termos uma sociedade mais justa”, diz Eduardo Fischer, da MRV. “É trilhando este caminho que as empresas estão se destacando, ganhando credibilidade e agregando valor a produtos e serviços”, completa o executivo.
Fonte: https://revistapb.com.br/inclusao/por-que-a-diversidade-faz-a-diferenca/